Entre os fatos jurídicos e o sensacionalismo digital

Desde a publicação da Resolução do CGSN nº 183/2025, o mercado passou a conviver com uma enxurrada de interpretações apressadas, alarmistas e, na maioria dos casos, tecnicamente equivocadas.

Fala-se até em “novo Simples Nacional”, em “fim do regime a partir de 2026” e até em mudanças abruptas de alíquotas e limites de faturamento.

Nada disso corresponde ao que a norma efetivamente estabelece.

A Resolução do CGSN nº 183/2025 não cria um novo Simples Nacional, não altera alíquotas, não modifica anexos, não muda limites de faturamento e não extingue o regime. Seu papel é outro – mais técnico, menos visível, porém muito mais relevante do ponto de vista de risco fiscal.

Este artigo apresenta uma interpretação técnica e objetiva da Resolução, separando o que não mudou, o que já estava previsto em lei, mas agora foi operacionalizado, e o que passa a produzir efeitos práticos relevantes a partir de 2026.

O pano de fundo da Resolução: por que ela existe

A Resolução do CGSN nº 183/2025 tem natureza instrumental, não estrutural.
Ela foi editada para atualizar a Resolução CGSN nº 140/2018, adequando o Simples Nacional ao novo ambiente tributário criado pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025, que institui o IBS e a CBS.

Em termos práticos, a norma cumpre três funções centrais:

  • Alinhar o Simples Nacional ao novo sistema tributário;
  • Reforçar o modelo de administração tributária integrada;
  • Consolidar o Simples como regime declaratório com confissão automática de dívida.

O movimento é claro: menos tolerância operacional, mais integração entre os fiscos e maior poder de fiscalização compartilhada.

O que NÃO muda no Simples Nacional

Antes de analisar os efeitos práticos da Resolução, é essencial esclarecer o que permanece exatamente como está, apesar do que vem sendo divulgado de forma totalmente equivocada.

A Resolução do CGSN nº 183/2025 não altera:

  • O limite de faturamento;
  • Os anexos do Simples Nacional;
  • As alíquotas;
  • A forma de cálculo do DAS;
  • O conceito de ME, EPP e MEI;
  • A coexistência do Simples com outros regimes tributários, ao menos até 2032.

Portanto, qualquer afirmação no sentido de que a norma representa “o fim do Simples Nacional em 2026” está tecnicamente errada.

Mudanças conceituais relevantes – embora pouco perceptíveis ao leigo

Embora não promova alterações estruturais visíveis, a Resolução introduz reforços conceituais importantes, que ampliam o alcance da fiscalização.

Consolidação do conceito de “receita global do grupo”

A Resolução reforça, sem margem para interpretação, um ponto que já constava na LC nº 123/2006, ou seja, o de que para fins de enquadramento no Simples Nacional, devem ser consideradas:

  • Todas as receitas;
  • Todas as atividades econômicas;
  • Mesmo com CNPJ’s distintos, desde que haja identidade de sócios (CPF);
  • Inclusive quando a pessoa também atua como pessoa física;
  • Abrangendo todos os débitos exigíveis.

Na prática, isso facilita o desenquadramento de estruturas artificialmente fragmentadas, como múltiplos CNPJ’s criados para manter o enquadramento no regime, bem como o uso de interpostas pessoas – fenômeno conhecido como “CNPJ espelho”.

Inclusão expressa de princípios do Simples Nacional

A Resolução também incorpora formalmente princípios que passam a orientar a interpretação do regime, como:

  • Simplicidade;
  • Transparência;
  • Justiça tributária;
  • Cooperação federativa;
  • Defesa do meio ambiente

Embora não gerem efeito prático imediato, esses princípios fortalecem autuações baseadas em abuso de forma e ampliam interpretações finalísticas, reduzindo o espaço para leituras puramente literais favoráveis ao contribuinte.

O verdadeiro endurecimento: declarações no centro da fiscalização

Aqui está o núcleo mais relevante da Resolução do CGSN nº 183/2025.

A norma deixa absolutamente claro que as informações prestadas:

  • No PGDAS-D;
  • Na DEFIS; e
  • Na DASN-SIMEI.

Constituem automaticamente o crédito tributário, caracterizando confissão irretratável de dívida, vedando o lançamento de ofício posterior

Na prática, isso significa que:

  • Erro declaratório vira dívida automaticamente;
  • As declarações deixam de ter caráter meramente informativo;
  • Não há espaço para alegação futura de erro como forma de afastar o crédito.

Além disso, a Resolução reforça o compartilhamento total de dados entre:

  • Receita Federal;
  • Estados;
  • Distrito Federal;
  • Municípios.

O erro cometido “no Simples” não fica restrito ao Simples. Uma inconsistência municipal pode gerar reflexos federais e vice-versa.

O que muda efetivamente a partir de 2026

Embora a maior parte da norma produza efeitos imediatos de interpretação, 2026 marca o início das consequências práticas mais sensíveis.

Multas mais objetivas e severas por erro ou atraso declaratório

Com efeitos a partir de 01/01/2026, o art. 98 da Resolução passa a prever multa de:

  • 2% ao mês ou fração;
  • Limitada a 20%;
  • Aplicável mesmo que o tributo esteja integralmente pago, nos casos de:
  • Ausência de PGDAS-D;
  • Entrega fora do prazo;
  • Prestação de informações incorretas.

Pagar o DAS, portanto, não significa o “perdão” do erro declaratório.
O compliance fiscal e tributário passa a ser tão relevante quanto o recolhimento.

Declaração fora do padrão técnico equivale a não entregue

A Resolução reforça que declarações que não atendam às especificações técnicas:

  • Serão consideradas não entregues;
  • Geram intimação; e
  • Produzem multa automática.

Discussões como “entreguei, mas estava com erro de sistema” perdem eficácia jurídica

Escrituração digital integrada: menos redundância, mais controle

Estados e Municípios passam a poder exigir escrituração fiscal digital, desde que:

  • O sistema seja gratuito; e
  • Esteja integrado ao Portal do Simples Nacional.

O efeito prático é menos duplicidade formal, porém mais padronização e rastreabilidade.

A Resolução não cria a obrigação contábil, mas elimina qualquer margem prática para ignorá-la

A Resolução do CGSN nº 183/2025 não inaugura a obrigação de manutenção de escrituração contábil regular pelas empresas optantes pelo Simples Nacional. Essa exigência já está expressamente prevista no art. 1.179 do Código Civil, aplicável a todo empresário e sociedade empresária, independentemente do regime tributário adotado.

O que a Resolução promove, contudo, é uma mudança substancial no ambiente de tolerância prática que, por muitos anos, permitiu a sobrevivência de empresas do Simples Nacional sem contabilidade formal, apoiadas exclusivamente em declarações fiscais simplificadas.

Com o fortalecimento do Simples como regime declaratório com confissão automática de dívida, o compartilhamento integral de informações entre União, Estados e Municípios e o endurecimento das penalidades por inconsistências declaratórias, a ausência de escrituração contábil regular deixa de ser uma fragilidade técnica secundária e passa a representar um risco jurídico, fiscal e patrimonial concreto.

Sem contabilidade formalmente escriturada:

  • O empresário perde base documental para sustentar a veracidade das informações declaradas;
  • A capacidade de defesa administrativa e judicial é severamente comprometida;
  • Inconsistências entre declarações fiscais e a realidade econômica da empresa tornam-se facilmente identificáveis pelos sistemas de cruzamento de dados;
  • A gestão passa a operar sem instrumentos mínimos de controle e prevenção de riscos.

Nesse novo contexto, a contabilidade deixa de ser percebida como mera obrigação acessória e se consolida como instrumento essencial de conformidade legal, proteção patrimonial e sustentabilidade empresarial.

A Resolução do CGSN nº 183/2025, portanto, não cria a obrigação contábil, ela simplesmente elimina qualquer margem prática para ignorá-la.

Simples nacional x Contabilidade

É igualmente importante afastar uma percepção equivocada bastante comum no meio empresarial que envolve empresas do Simples Nacional: escritórios de contabilidade não operam por mágica.

A escrituração contábil regular depende, de forma direta e contínua, do envio tempestivo e completo das informações financeiras e operacionais pelo próprio empresário, tais como extratos bancários, comprovantes de pagamentos, contratos, documentos de faturamento e registros de movimentação patrimonial.

Sem esse fluxo mensal de informações, não há base técnica possível para a escrituração contábil, ainda que o escritório contratado possua estrutura, conhecimento e sistemas adequados.

Nessas circunstâncias, o serviço contábil acaba sendo reduzido, por imposição prática do empresário, a uma atuação meramente operacional e burocrática – limitada à emissão de folhas de pagamento, notas fiscais, apuração de tributos e geração de guias para pagamento de impostos.
Isso não configura contabilidade plena, mas apenas o cumprimento mínimo de obrigações acessórias.

O empresário que opta por não fornecer as informações necessárias não terá, na prática, um contador, mas apenas um intermediário administrativo, de quem não poderá legitimamente exigir análises, planejamento, proteção patrimonial ou defesa técnica futura, pois tais atividades não pressupõem escrituração contábil regular e fidedigna.

A responsabilidade pela qualidade da contabilidade, portanto, é compartilhada.
Sem informação, não há escrituração e sem escrituração, não há contabilidade.

Síntese final: 2026 não muda imposto – muda risco

Em termos objetivos, a Resolução do CGSN nº 183/2025 produz cinco efeitos centrais:

  • O Simples se torna menos tolerante a erro;
  • Declarações passam a ser o eixo central da fiscalização;
  • O cruzamento de dados torna-se total e automático;
  • Estruturas artificiais ficam expostas pela integração dos fiscos;
  • 2026 não altera carga tributária, altera o custo do erro.

O empresário que entende isso certamente não entrará em pânico – se organiza. E o papel da contabilidade deixa de ser apenas operacional para se tornar estratégico, preventivo e interpretativo.

Conclusão

Se a sua empresa é optante pelo Simples Nacional, a pergunta não é se a contabilidade é obrigatória, visto que ela sempre foi.

A pergunta correta é se a sua contabilidade está sendo feita de forma regular, técnica e com base em informações reais.

Antes de tomar decisões com base em conteúdos sensacionalistas, busque uma análise profissional, fundamentada na legislação e na realidade do seu negócio.

A contabilidade está muito longe de se limitar a gerar guias de impostos, ela existe para proteger a empresa, o patrimônio e o próprio empresário.

Caso tenha dúvidas sobre como a Resolução do CGSN nº 183/2025 impacta a sua realidade específica, procure orientação técnica antes que o risco se materialize.

Diante das mudanças introduzidas pela Resolução do CGSN nº 183/2025, não basta acompanhar manchetes ou interpretações genéricas. Cada empresa possui uma realidade própria, que exige leitura técnica, criteriosa e responsável.

A Zannix Brasil Contabilidade atua justamente nesse ponto: interpretação normativa, análise prática dos riscos e estruturação contábil adequada à realidade de cada negócio, inclusive para empresas optantes pelo Simples Nacional.

Se você deseja compreender como a Resolução impacta a sua empresa, se a sua contabilidade está sendo realizada de forma regular e se os riscos estão devidamente controlados, busque orientação técnica especializada antes que o problema se torne concreto.

Contabilidade não é improviso, é conhecimento técnico, é tecnologia, é pessoas, é método e responsabilidade.

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