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ToggleI. O cenário de aparente eficiência
Nas últimas décadas, o Brasil testemunhou uma transformação silenciosa nas relações de trabalho. Sob o manto da eficiência, da redução de custos e da liberdade contratual, espalhou-se uma prática que, à primeira vista, parece moderna e racional: a pejotização, ou mais precisamente a contratação de pessoas e profissionais como pessoa jurídica (PJ) em substituição ao vínculo celetista tradicional.
A lógica econômica é sedutora: reduzir encargos, simplificar a folha de pagamento, eliminar férias, 13º salário, FGTS, INSS, entre outros, além das obrigações acessórias. Tentador, não é?
Contudo, o que muitas empresas não percebem é que essa aparente economia pode estar construindo um passivo trabalhista e fiscal de proporções imprevisíveis, capaz de corroer anos de resultado operacional e comprometer a imagem institucional de forma irreversível.
A pejotização, como ficou conhecida, é, em essência, um fenômeno de disfarce jurídico. Quando o contrato civil é utilizado para mascarar uma relação de emprego, nasce a fraude e a suposta “economia e eficiência” se convertem em armadilha.
II. O que realmente é a pejotização
A pejotização, com raras exceções, é a prática pela qual o empregador exige ou induz o trabalhador a abrir um CNPJ para prestar os mesmos serviços que antes desempenhava como empregado com carteira assinada, mantendo, entretanto, os elementos que caracterizam o vínculo de emprego.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 3º, define o empregado como aquele que presta serviços de forma não eventual, mediante remuneração e sob subordinação.
Quando esses elementos estão presentes, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação, a lei presume a existência do vínculo, ainda que o contrato seja travestido de “prestação de serviços”.
O artigo 9º da CLT reforça a proteção contra a fraude:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos nesta Consolidação.”
Portanto, o contrato entre pessoas jurídicas não tem o poder de apagar a realidade fática. A pejotização só é válida quando existe autonomia real, e não uma subordinação disfarçada por formalidades contratuais.
III. O contexto econômico e a gênese do problema
A pejotização não surgiu como má-fé pura e simples. Ela é, em grande parte, reflexo de uma legislação trabalhista altamente onerosa, inflexível, burocrática e muitas vezes, paternalista, que empurrou muitas empresas a buscar modelos alternativos para sobreviver num ambiente de massacrante carga tributária e alta complexidade regulatória.
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) ampliou a possibilidade de terceirização, inclusive da atividade-fim, o que legitimou parte da flexibilização. Contudo, essa abertura foi interpretada de forma equivocada por muitos empregadores, que passaram a utilizar o CNPJ do trabalhador individual como uma simulação de terceirização e não como uma verdadeira relação comercial entre empresas autônomas.
Em um mercado competitivo, a pejotização acabou se tornando um mecanismo de sobrevivência, mas um mecanismo frágil, pois seu custo de erro é altíssimo.
A diferença entre a liberdade contratual e a fraude trabalhista está na prova da autonomia – e essa linha é tênue.
IV. A fronteira jurídica entre autonomia e subordinação
O artigo 442-B da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista, reconhece que a contratação de autônomos é legítima, desde que inexista subordinação. Mas a subordinação, no mundo contemporâneo, nem sempre é física ou hierárquica: ela pode ser estrutural, funcional, tecnológica.
Por conta disso, os tribunais passaram a identificar novas formas de controle:
- Metas impostas unilateralmente;
- Relatórios de produtividade exigidos;
- Restrição de horários e locais;
- Exclusividade tácita;
- dependência econômica absoluta.
Mesmo que o prestador emita notas fiscais e tenha um CNPJ ativo, se ele atua dentro da estrutura da empresa, sob direção e rotina impostas, há subordinação de fato e, portanto, vínculo empregatício.
V. A jurisprudência consolidada do TST
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), vem endurecendo sua interpretação.
Casos recentes confirmam que a realidade fática prevalece sobre a formalidade contratual.
Em suas decisões o TST vem reafirmando que, comprovados os elementos da relação de emprego, a existência de contrato entre pessoas jurídicas não impede o reconhecimento do vínculo.
O TST também reforça a figura da “subordinação estrutural”, conceito segundo o qual o trabalhador pode não receber ordens diretas, mas integra funcionalmente o processo produtivo do tomador, sendo essencial à sua atividade-fim.
Essa interpretação amplia o alcance das condenações e demonstra que a pejotização não se sustenta como escudo jurídico em longo prazo.
VI. O risco fiscal e previdenciário – o segundo efeito colateral
A pejotização é um risco trabalhista visível, mas seu efeito fiscal é ainda mais devastador.
A Receita Federal, com base na Instrução Normativa RFB nº 2.110/2022, pode requalificar contratos de prestação de serviços como vínculos de emprego para fins de contribuição previdenciária.
Em termos práticos, isso significa que o fisco pode exigir retroativamente:
- As contribuições patronais de 20% sobre a folha;
- As contribuições de terceiros (Sistema S, INCRA, Salário-Educação);
- O FGTS não recolhido;
- Multas e juros moratórios;
- Além da reclassificação de despesas dedutíveis no IRPJ.
Há, ainda, a possibilidade de autuação por Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL), quando os pagamentos à PJ são interpretados como remuneração pessoal camuflada, e não como rendimento empresarial.
Nesse caso, a empresa contratante pode sofrer dupla tributação, perdendo inclusive o direito à dedução das despesas lançadas.
O artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN) dá suporte à Receita Federal para desconsiderar atos ou negócios jurídicos que tenham como objetivo dissimular a natureza dos fatos.
VII. Terceirização legítima versus pejotização disfarçada
É preciso distinguir o que é terceirização lícita da pejotização fraudulenta.
A Lei nº 6.019/1974, com as alterações da Reforma Trabalhista, permite a terceirização de qualquer atividade, inclusive a atividade-fim. Mas, para que a relação seja legítima, a empresa contratada deve:
- Possuir autonomia técnica e gerencial;
- Empregar recursos próprios;
- Assumir riscos econômicos da atividade;
- Possuir múltiplos clientes.
Já a pejotização se caracteriza quando o suposto prestador é, na prática, um empregado exclusivo, sem autonomia real, sem estrutura organizacional e sem risco próprio.
Nesse cenário, não há terceirização, há fraude trabalhista travestida de formalidade contratual.
A diferença é sutil, mas juridicamente decisiva.
VIII. O custo invisível da pejotização
O custo de uma pejotização indevida não se limita às condenações trabalhistas. Ela desencadeia efeitos colaterais em cadeia:
- Revisão contábil: despesas de serviços reclassificadas como folha de pagamento;
- Autuação previdenciária: cobrança de contribuições retroativas com multa de 75% a 225%;
- Danos à imagem institucional: empresas recorrentes em fraudes perdem credibilidade junto ao mercado e investidores;
- Risco reputacional: afeta relações comerciais e contratuais;
- Risco penal: em casos de dolo comprovado, pode haver enquadramento em crime de sonegação.
A ilusão da economia imediata se dissipa diante da realidade de um processo trabalhista: a pejotização é uma aposta de alto risco jurídico, fiscal e reputacional.
IX. O papel do contador e do compliance trabalhista
O contador moderno deixou de ser um mero executor de obrigações acessórias, ele é hoje um gestor de riscos corporativos.
É no cruzamento entre a contabilidade, a legislação trabalhista e a governança que nasce o verdadeiro compliance trabalhista e contratual.
A Zannix Brasil Contabilidade, em sua atuação consultiva, defende que a prevenção é o único caminho sustentável.
Isso envolve:
- Revisão minuciosa de todos os contratos de prestação de serviços;
- Análise da rotina operacional e hierárquica;
- Verificação da autonomia real dos prestadores PJ;
- Implementação de políticas internas de compliance;
- Capacitação de gestores para identificar e mitigar riscos.
Em tempos de cruzamento de dados entre Receita Federal, eSocial, EFD-Reinf e Previdência, qualquer inconsistência documental é suficiente para gerar fiscalização.
O contador, portanto, é a linha de defesa invisível que separa a eficiência da exposição.
X. Governança, ética e sustentabilidade empresarial
Mais do que uma questão jurídica, a pejotização é uma questão de governança corporativa.
Empresas maduras sabem que não existe sustentabilidade sem conformidade legal.
O respeito às normas trabalhistas e tributárias não é um obstáculo, é uma barreira protetora.
Em um país onde a fiscalização é cada vez mais digital, a transparência não é opcional: é estratégica.
O empresário que entende isso posiciona sua marca no caminho da perenidade; o que ignora, caminha sobre gelo fino.
A pejotização não é o problema, o problema é usá-la como atalho e obviamente toda vez que o atalho substitui o planejamento, o risco substitui a inteligência.
XI. A contradição brasileira: entre a precarização e a sobrevivência
É impossível discutir pejotização sem reconhecer o paradoxo social que ela representa.
Se, por um lado, é juridicamente frágil e economicamente arriscada para as empresas, por outro, ela sustenta milhares de famílias que encontraram nesse modelo sua única forma de inserção produtiva.
Mototaxistas, motoristas e entregadores de aplicativos, técnicos de manutenção, consultores e pequenos prestadores autônomos, todos compõem o mosaico da nova informalidade digitalizada.
Esses profissionais, embora juridicamente enquadrados como pessoas jurídicas ou microempreendedores individuais (MEIs), são parte essencial da engrenagem econômica contemporânea.
A pejotização, portanto, não é apenas uma fraude trabalhista: é também um fenômeno social, consequência direta de um sistema que não conseguiu equilibrar proteção e competitividade.
Ela revela um país onde o custo de contratar é tão alto que empurra empresas à informalidade e trabalhadores à autogestão precária.
É preciso, portanto, ir além da simples condenação moral e da judicialização. O desafio real está em reformular o modelo de proteção social e trabalhista para que ele reconheça novas formas de trabalho sem criminalizá-las, mas também sem abandoná-las à própria sorte.
O futuro exige um diálogo entre eficiência e dignidade e entre as empresas que precisam competir e o trabalhador que precisa sobreviver.
XII. Conclusão – entre o discurso da eficiência e a prática da legalidade
A pejotização é o retrato de um sistema em busca de equilíbrio entre flexibilidade e segurança. Mas não há eficiência possível fora da legalidade.
O futuro das relações de trabalho e das empresas que as sustentam, depende da capacidade de construir modelos contratuais éticos, transparentes e juridicamente sólidos.
Empresas que tratam a contabilidade como instrumento de gestão e não como obrigação fiscal compreendem que governar é prever, e prevenir é mais lucrativo do que remediar.
A Zannix Brasil Contabilidade orienta empresas de todos os portes a adotar práticas preventivas, revisando suas contratações, eliminando riscos e estruturando políticas de compliance trabalhista que sustentem sua reputação e seus resultados.
Porque o verdadeiro lucro é aquele que resiste à fiscalização.
Evite que a eficiência aparente se transforme em passivo real.
A Zannix Brasil Contabilidade oferece diagnóstico completo de riscos trabalhistas e fiscais, auditoria de contratos PJ e plano de adequação à legislação.
Segurança jurídica, compliance e alta performance — o tripé da gestão inteligente.






